domingo, janeiro 13, 2013

Notas ao fim da capa e batina nos liceus

Sempre me intrigou o "súbito" desaparecimento da capa e batina dos estabelecimentos de ensino secundário - os antigos liceus.

Mais estranheza causa quando a adopção do traje académico resultou, na maioria dos casos, da persistência e de esforços continuados por parte da comunidade estudantil junto das autoridades educativas - e que redundaram na publicação de um decreto que autorizava (não obrigava) os alunos dos liceus a envergar capa e batina.

Na obra "Tuna Académica do Liceu de Évora" (Adília Zacarias e Isilda Mendes), lê-se, a pp. 34, o seguinte:

"No entanto, a política também não foi estranha a alguma quebra no uso do traje. Estão neste caso momentos como a implantação da República, o Estado Novo e o pós 25 de abril. 
A principal interferência no uso do traje académico, durante o Estado Novo, teve, sobretudo, a ver com o espírito da M. P. [Mocidade Portuguesa] que se traduz, por exemplo (...) na perseguição caricata ao uso da "capa e batina" (...) o que levou o deputado António Gromicho (que era também o Reitor do Liceu de Évora) a declarar na Assembleia Nacional: 
com o aparecimento da M.P. e com a expansão desta organização, estabeleceu-se uma certa confusão e equívoco, pois formou-se o mito, na minha opinião erradíssimo, de que o uso da capa e batina é um obstáculo à actuação da M.P. Dizia-se, e creio que continua a dizer-se, que o trajo (sic) académico representa ideias e costumes contrários às doutrinas daquela organização. (Labor, N.º 157, abril de 1956, p. 478)"

e, na p. 65, referindo-se ao lento processo de "passagem" da Associação Académica para a Mocidade Portuguesa:

"Ostensiva ou subreticiamente, a M.P. opunha-se às tradições [democráticas] que tão orgulhosamente os académicos [do Liceu de Évora] respeitavam e preservavam."

Será que o caso do Liceu de Évora pode ser extrapolado para todos os liceus nacionais da época?

Estamos em crer que sim, muito embora não disponhamos de dados tangíveis que nos levem a dar uma inequívoca resposta afirmativa.

No entanto, e tendo em conta que o processo de adopção é semelhante em todos os liceus (também nas antigas "províncias ultramarinas"), não vemos razão pela qual o processo, "filosofia" e sobretudo o agente da extinção do traje possa ou deva ser diferente caso a caso. O Liceu de Évora nem era o único a usar capa e batina nem o único a possuir estruturas estudantis democráticas. Temos, assim, que a Mocidade Portuguesa procurou (e conseguiu) insinuar-se como estrutura organizativa centralizada (e centralizadora) das actividades recreativas juvenis.

Por outro lado, cai por terra a argumentação dos que vêem na capa e batina um símbolo do regime fascista do Estado Novo - uma vez que o próprio regime via no traje académico um "obstáculo" e a representação de "ideias e costumes contrários às [suas] doutrinas".





















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ZACARIAS, Adília, e MENDES, Isilda M. Tuna Académica do Liceu de Évora (100 Anos de História e Tradições), [s.n.], Évora, 2012

As autoras escreveram de acordo com as normas do AO90, que respeitámos na transcrição dos excertos.